Assim como as mães, não conformidades são todas iguais, apenas mudam de endereço.
Os desdobramentos do caso envolvendo problemas de segurança de voo com o modelo 737 MAX 9 da Boeing, conforme as informações vão chegando ao público, trazem questões importantes para quem trabalha com a gestão da qualidade.
Em relação à gestão da qualidade, há dois aspectos a ser analisados:
· A parte técnica
· A parte documental (procedimentos e treinamento das pessoas nesses procedimentos)
A parte técnica é o aspecto mais óbvio: parte da fuselagem que se desprende do avião logo depois da decolagem, obrigando os pilotos a um pouso de emergência – felizmente, nenhuma vítima. A investigação encontra peças soltas em algumas unidades vendidas para duas empresas aéreas diferentes.
Esse é um aspecto que aponta para as questões relacionadas à gestão de projeto (há duas configurações diferentes para o mesmo modelo, e os problemas só foram identificados em uma delas, a que sofreu alterações em relação ao projeto original) e de processo (a unidade que apresentou o problema era recém-fabricada) e dos respectivos planos de controle. Análise de risco e gestão de fornecedores (a fuselagem é fornecida por um subcontratado da Boeing).
Mas para tratarmos aqui desses assuntos, nos falta a conclusão das investigações que as autoridades de segurança aeronáutica ainda estão conduzindo. Depois, poderemos falar sobre APQP – FMEA e PPAP – a sopa de letrinhas tão cara ao pessoal da gestão da qualidade.
A parte documental, no entanto, embora menos óbvia, traz questões que são do dia-a-dia de quem atua na gestão dos sistemas da qualidade das organizações.
Vejamos (fazendo uso da metodologia dos 5 porquês):
1 - Os áudios da cabine de comando (importantes para a investigação do ocorrido) não foram gravados porque o fone de ouvido de um dos pilotos caiu de sua cabeça, no momento do incidente, e foi parar fora do cockpit. Por que isso aconteceu?
2 - Porque a porta da cabine de comando se abriu repentinamente, após a descompressão da aeronave – um movimento brusco pode ter arrancado o fone de ouvido da cabeça do piloto – já que eles foram pegos de surpresa com a abertura repentina dessa porta. Por que isso aconteceu?
3 - Porque, por incrível que pareça, isso é um item de segurança (a abertura da porta da cabine de comando é projetada para que aconteça, quando uma descompressão na aeronave é detectada): para facilitar o acesso à cabine de comando e permitir que os pilotos visualizem imediatamente o que acontece na cabine de passageiros.
4 - E por que os pilotos foram pegos de surpresa com isso?
5 - Porque os manuais e o material de treinamento não tratavam claramente do assunto, reconheceu a Boeing – que já se comprometeu a fazer modificações a fim de que os pilotos estejam cientes de como a aeronave se comporta durante a descompressão.
Como auditor de certificação, fico pensando: quantas vezes já vi essa exata sequência em plano de ação corretiva para não conformidades?
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